22 abril 2009

Não é só o Setor Público

A trambicagem continua

DE NOVA YORK - Depois de terem arrebentado o sistema financeiro com a criação de ativos, investimentos e produtos "exóticos", os bancos norte-americanos continuam torturando números para se manter à tona.
A safra de balanços dos maiores bancos dos EUA, os mesmos que receberam bilhões de dólares em dinheiro dos contribuintes, revela que o padrão de picaretagem de Wall Street segue inalterado. Apesar de todas as ameaças públicas de autoridades para "enquadrar" os bancos.
Nesta semana foi a vez do Bank of America anunciar que seu lucro quase triplicou entre janeiro e março, para cerca de US$ 2,8 bilhões. Na semana passada, foi o Citigroup quem anunciou lucro de US$ 1,6 bilhão, antecedido por Wells Fargo e Goldman Sachs. Todos no azul.
Mas não eram esses mesmos bancos que estavam quebrados em outubro? Estavam, e, aparentemente, continuam na mesma. Os resultados positivos são puro truque contábil.
Os bancos estão é desesperados para mostrar que continuam viáveis. E, assim, conseguir vender no mercado os tais "ativos tóxicos" (resultados de empréstimos ruins e do papelório "exótico") que entupiu suas carteiras. Querem que os potenciais investidores pensem: "Bom, se o lucro dos bancos está aumentando, logo, logo, esses ativos vão ganhar valor".
Outro efeito colateral positivo de os bancos quererem parecer viáveis é eventualmente se livrarem da coleira que o Departamento do Tesouro colocou neles, restringindo, por exemplo, o pagamento de bônus a seus criativos executivos.
O caso do Citigroup é exemplar na manipulação dos números, tudo dentro das frouxas regras contábeis norte-americanas que, afinal de contas, ajudaram a levar o sistema para o abismo.
Cerca de US$ 2,7 bilhões foram acrescentados como "receita" nas contas do Citi. Mas é pura ficção. O que ocorreu é que o banco pôde colocar em seu balanço um "ganho" virtual equivalente ao valor da desvalorização (imensa) de seus papéis e títulos que estão no mercado.
Isso se dá porque as regras contáveis assumem que o banco pode recomprar esses papéis a um valor muito desvalorizado e ter um ganho com isso. Pois lá atrás os vendeu a um preço "cheio". Mas não ocorreu nem uma coisa nem outra. Não houve recompra ou aumento de receita. É só número bom em papel branco.
Outra manobra do Citigroup foi separar um valor pequeno (US$ 2,4 bilhões) entre janeiro e março para cobrir eventuais perdas com empréstimos que podem acabar em calotes. O valor reservado no primeiro trimestre foi US$ 1,3 bilhão menor do que o do último trimestre de 2008. Detalhe: os calotes só têm aumentado. Ou seja, o Citi está separando menos para enfrentar perdas maiores.
Há outros truques. Como o do Goldman Sachs, que simplesmente mudou o ano fiscal para a publicação de seu balanço. Ele começava em dezembro e terminava em novembro. Agora, vai de janeiro a dezembro. Com isso, dezembro de 2008, um mês horrível para o banco, simplesmente desapareceu dos resultados do primeiro trimestre.
Há argumentos para tudo na vida. Mas também há fatos.
E o que os números do próprio Tesouro dos EUA mostram é que seria quase impossível aos bancos estarem fazendo todo o dinheiro que vêm apresentando. Pois um dos principais negócios deles, os empréstimos a consumidores e empresas, continua em queda.
Entre os 19 maiores bancos que receberam dinheiro do Tesouro no ano passado, o total de novos empréstimos concedidos ou refinanciados despencou, na média, 23% entre fevereiro (último dado disponível) e outubro de 2008.
Detalhe: a ajuda aos bancos com dinheiro dos contribuintes foi feita para que ocorresse justamente o contrário. Para que eles voltassem a emprestar com força, ajudando a recuperar a economia.
Assim vai mal. Mas, como os balanços dos bancos mostram, as coisas estão melhorando.. .
Fernando Canzian, 42, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006.Escreve às segundas-feiras.

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