Adriano Benayon
(A Nova Democracia)
Se não quisermos sofrer males ainda maiores que os que vêm assolando nosso
País, temos de saltar
fora da globalização com urgência. Ela é como um trem em acelerado em
direção ao abismo. Mesmo
que pular do trem cause algum incômodo, mais vale não nos deixarmos
espatifar.
Outra metáfora, válida para todo o Planeta, é comparar a globalização à
intoxicação por bebida
alcoólica ou por droga entorpecente. Seus terríveis efeitos surgem
antes mesmo de cessar a
ingestão dos tóxicos.
O tema central do livro Globalização versus Desenvolvimento, cuja 1ª edição
foi publicada há onze
anos (1998), é a demonstração de ser o desenvolvimento incompatível com a
abertura indiscriminada
da economia e com o controle dela por capitais estrangeiros.
Essa situação leva a ter política econômica comandada do exterior. Isso
transformou a estrutura
da economia, tornando mais primário o padrão de produção. Fez, por
exemplo, as exportações
dependerem cada vez mais de recursos naturais. Em suma, o País
regride tecnologicamente, e
aumentam as transferências para o exterior.
Venho apontando que, nos EUA e na Europa, entre outros lugares, o
colapso financeiro está
rapidamente degenerando também em colapso econômico e social. Nos EUA, por
exemplo, as demissões
estão ocorrendo ao ritmo de 1 milhão por mês. No Brasil foram 600.000
em dezembro e mais de
100.000 em janeiro.
Há tempos, exponho ser enganoso o discurso que afirma estar o Brasil
preparado para enfrentar a
“crise” mundial. No artigo “Contas externas vulneráveis”, publicado em A
Nova Democracia, nº 42,
abril de 2008, tratei da vulnerabilidade estrutural da economia
brasileira, quase que totalmente
desnacionalizada, a inviabilizar as decisões de política
econômica necessárias ao
desenvolvimento.
Em trabalhos subseqüentes deixei claro que as reservas externas do Banco
Central - da ordem de US
$ 200 bilhões hoje, pois já foram maiores - podem pulverizar-se em função
de simples mudança de
conjuntura.
No artigo “Investment grade ou Brasil atrás das grades?”, publicado nº 43,
maio de 2008, expus o
engodo que foi a elevação da cotação do Brasil pelas agências
internacionais de risco de crédito.
Elas próprias não merecem crédito algum, haja vista terem dado cotação
máxima a títulos tóxicos,
inclusive os baseados em hipotecas nos EUA, que perderam depois todo seu
valor de mercado.
Em “A nova crise do real”, escrito em agosto e publicado em A Nova
Democracia, nº 46, setembro de
2008, disse estar em gestação, para futuro pouco distante, nova crise
cambial. De então até
agora, o real já caiu 38% em relação ao dólar.
O pior é que os efeitos no Brasil do colapso mundial ainda estão
começando a se manifestar.
Alguns sinais claros já estão presentes, como o da taxa de câmbio e muitos
outros. Entre eles, o
fato de a inadimplência das empresas ter crescido nada menos que 149% na
comparação de janeiro de
2009 com janeiro de 2008.
Ademais, grandes empresas no Brasil endividaram- se grandemente no
exterior em anos recentes,
inclusive as transnacionais junto a suas matrizes. Com a desvalorização do
real, cresce o serviço
dessas dívidas. Os balanços das empresas deterioram-se por causa do câmbio,
ao mesmo tempo em que
cai o valor em dólares das exportações – e não apenas em função da taxa
cambial - pois há brutal
redução da procura externa pelos produtos exportados do Brasil.
É de notar a queda, superior a 60%, de março a dezembro de 2008, do preço
das commodities (bens
agrícolas e metais) no mercado mundial. O grosso das exportações
brasileiras se compõe desses
recursos naturais com nenhum ou pequeno grau de transformação industrial.
Esses bens ainda tiveram saldo positivo em 2008 de U$ 55,1 bilhões,
viabilizando que a balança
comercial do País tivesse o superávit de US$ 47,9 bilhões, apesar de
déficit de US$ 7,2 bilhões
por parte da indústria de transformação.
Mas houve significativa deterioração do Balanço de Pagamentos em 2008,
o qual prenuncia maior
afundamento em 2009, uma vez que se está acentuando o colapso nos
países com que o Brasil tem
relações econômicas.
Em 2008 já se registrou a maior saída líquida de divisas do País –
excluindo a balança comercial
– desde 1982. O último recorde foi em 2005, com US$ 32,5 bilhões.
Em 2008 saíram US$ 48,9
bilhões, os quais foram insuficientemente compensados pelos US$ 47,9
bilhões do saldo comercial.
Com isso, o Balanço de Pagamentos (BP) fechou com déficit de US$ 1 bilhão,
o primeiro desde 2002,
o ano da última crise cambial.
Excluindo as transferências unilaterais (1), para ficar só com o
resultado das capitais e de
serviços, as saídas líquidas destas contas atingiram US$ 53,6 bilhões, não
obstante ter o Brasil
mantido as taxas de juros mais altas do Mundo. Em princípio, altas
taxas de juros atrairiam
capitais para o País.
É visível também a diminuição do saldo comercial, não só pelo declínio,
mês a mês, em 2008, mas
também pelos resultados dos dois primeiros meses de 2009, quando somou
apenas US$ 1,2 bilhão.
As transações correntes, que englobam tudo, menos o movimento de capitais,
registraram, em 2008,
déficit de US$ 28,7 bilhões. Até 2007 havia superávit, mas já
minguando então para US$ 1,7
bilhão. Isso implica que o déficit do BP em 2008 só não foi muito
maior que US$ 1,2 bilhão,
porque o movimento de capitais registrou apreciável ingresso
líquido, em grande parte de
investimentos diretos.
Além de ser problemático que isso se mantenha, não haverá, de qualquer
modo, como fechar o BP sem
recurso a grande aumento da dívida externa brasileira. Mas esta já
cresceu muito em 2008, e os
bancos do exterior vêm negando crédito. Estão, na maioria, falidos e
sobrevivem mediante a
vergonhosa injeção de trilhões de dólares por parte dos governos e dos
bancos centrais de seus
países.
Seriam necessários mais dados para perceber que se aproxima gravíssima
crise das contas externas
no Brasil?
Fica para o próximo artigo atualizar a situação mundial e avaliar em
profundidade a colossal
negociata que, em geral, está sendo o auxílio dos governos aos bancos
e outras instituições
financeiras causadoras do colapso econômico. Este, a continuar o tipo de
tratamento que lhe vem
sendo dado, promete ser o mais profundo de todos os tempos.
(1) Principalmente remessas de trabalhadores no exterior, conta que teve
saldo positivo da ordem
de US$ 4,7 bilhões.
Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus
Desenvolvimento” , editora Escrituras.
Publicado originalmente: A Nova Democracia, nº 51, março de 2009
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