10 junho 2009

Depois de um porre, vem...

A RESSACA DA GLOBALIZAÇÃO

Adriano Benayon

(A Nova Democracia)

Se não quisermos sofrer males ainda maiores que os que vêm assolando nosso
País, temos de saltar
fora da globalização com urgência. Ela é como um trem em acelerado em
direção ao abismo. Mesmo
que pular do trem cause algum incômodo, mais vale não nos deixarmos
espatifar.

Outra metáfora, válida para todo o Planeta, é comparar a globalização à
intoxicação por bebida
alcoólica ou por droga entorpecente. Seus terríveis efeitos surgem
antes mesmo de cessar a
ingestão dos tóxicos.

O tema central do livro Globalização versus Desenvolvimento, cuja 1ª edição
foi publicada há onze
anos (1998), é a demonstração de ser o desenvolvimento incompatível com a
abertura indiscriminada
da economia e com o controle dela por capitais estrangeiros.

Essa situação leva a ter política econômica comandada do exterior. Isso
transformou a estrutura
da economia, tornando mais primário o padrão de produção. Fez, por
exemplo, as exportações
dependerem cada vez mais de recursos naturais. Em suma, o País
regride tecnologicamente, e
aumentam as transferências para o exterior.

Venho apontando que, nos EUA e na Europa, entre outros lugares, o
colapso financeiro está
rapidamente degenerando também em colapso econômico e social. Nos EUA, por
exemplo, as demissões
estão ocorrendo ao ritmo de 1 milhão por mês. No Brasil foram 600.000
em dezembro e mais de
100.000 em janeiro.

Há tempos, exponho ser enganoso o discurso que afirma estar o Brasil
preparado para enfrentar a
“crise” mundial. No artigo “Contas externas vulneráveis”, publicado em A
Nova Democracia, nº 42,
abril de 2008, tratei da vulnerabilidade estrutural da economia
brasileira, quase que totalmente
desnacionalizada, a inviabilizar as decisões de política
econômica necessárias ao
desenvolvimento.

Em trabalhos subseqüentes deixei claro que as reservas externas do Banco
Central - da ordem de US
$ 200 bilhões hoje, pois já foram maiores - podem pulverizar-se em função
de simples mudança de
conjuntura.

No artigo “Investment grade ou Brasil atrás das grades?”, publicado nº 43,
maio de 2008, expus o
engodo que foi a elevação da cotação do Brasil pelas agências
internacionais de risco de crédito.
Elas próprias não merecem crédito algum, haja vista terem dado cotação
máxima a títulos tóxicos,
inclusive os baseados em hipotecas nos EUA, que perderam depois todo seu
valor de mercado.


Em “A nova crise do real”, escrito em agosto e publicado em A Nova
Democracia, nº 46, setembro de
2008, disse estar em gestação, para futuro pouco distante, nova crise
cambial. De então até
agora, o real já caiu 38% em relação ao dólar.

O pior é que os efeitos no Brasil do colapso mundial ainda estão
começando a se manifestar.
Alguns sinais claros já estão presentes, como o da taxa de câmbio e muitos
outros. Entre eles, o
fato de a inadimplência das empresas ter crescido nada menos que 149% na
comparação de janeiro de
2009 com janeiro de 2008.

Ademais, grandes empresas no Brasil endividaram- se grandemente no
exterior em anos recentes,
inclusive as transnacionais junto a suas matrizes. Com a desvalorização do
real, cresce o serviço
dessas dívidas. Os balanços das empresas deterioram-se por causa do câmbio,
ao mesmo tempo em que
cai o valor em dólares das exportações – e não apenas em função da taxa
cambial - pois há brutal
redução da procura externa pelos produtos exportados do Brasil.

É de notar a queda, superior a 60%, de março a dezembro de 2008, do preço
das commodities (bens
agrícolas e metais) no mercado mundial. O grosso das exportações
brasileiras se compõe desses
recursos naturais com nenhum ou pequeno grau de transformação industrial.

Esses bens ainda tiveram saldo positivo em 2008 de U$ 55,1 bilhões,
viabilizando que a balança
comercial do País tivesse o superávit de US$ 47,9 bilhões, apesar de
déficit de US$ 7,2 bilhões
por parte da indústria de transformação.

Mas houve significativa deterioração do Balanço de Pagamentos em 2008,
o qual prenuncia maior
afundamento em 2009, uma vez que se está acentuando o colapso nos
países com que o Brasil tem
relações econômicas.

Em 2008 já se registrou a maior saída líquida de divisas do País –
excluindo a balança comercial
– desde 1982. O último recorde foi em 2005, com US$ 32,5 bilhões.
Em 2008 saíram US$ 48,9
bilhões, os quais foram insuficientemente compensados pelos US$ 47,9
bilhões do saldo comercial.
Com isso, o Balanço de Pagamentos (BP) fechou com déficit de US$ 1 bilhão,
o primeiro desde 2002,
o ano da última crise cambial.

Excluindo as transferências unilaterais (1), para ficar só com o
resultado das capitais e de
serviços, as saídas líquidas destas contas atingiram US$ 53,6 bilhões, não
obstante ter o Brasil
mantido as taxas de juros mais altas do Mundo. Em princípio, altas
taxas de juros atrairiam
capitais para o País.

É visível também a diminuição do saldo comercial, não só pelo declínio,
mês a mês, em 2008, mas
também pelos resultados dos dois primeiros meses de 2009, quando somou
apenas US$ 1,2 bilhão.

As transações correntes, que englobam tudo, menos o movimento de capitais,
registraram, em 2008,
déficit de US$ 28,7 bilhões. Até 2007 havia superávit, mas já
minguando então para US$ 1,7
bilhão. Isso implica que o déficit do BP em 2008 só não foi muito
maior que US$ 1,2 bilhão,
porque o movimento de capitais registrou apreciável ingresso
líquido, em grande parte de
investimentos diretos.

Além de ser problemático que isso se mantenha, não haverá, de qualquer
modo, como fechar o BP sem
recurso a grande aumento da dívida externa brasileira. Mas esta já
cresceu muito em 2008, e os
bancos do exterior vêm negando crédito. Estão, na maioria, falidos e
sobrevivem mediante a
vergonhosa injeção de trilhões de dólares por parte dos governos e dos
bancos centrais de seus
países.

Seriam necessários mais dados para perceber que se aproxima gravíssima
crise das contas externas
no Brasil?

Fica para o próximo artigo atualizar a situação mundial e avaliar em
profundidade a colossal
negociata que, em geral, está sendo o auxílio dos governos aos bancos
e outras instituições
financeiras causadoras do colapso econômico. Este, a continuar o tipo de
tratamento que lhe vem
sendo dado, promete ser o mais profundo de todos os tempos.

(1) Principalmente remessas de trabalhadores no exterior, conta que teve
saldo positivo da ordem
de US$ 4,7 bilhões.

Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus
Desenvolvimento” , editora Escrituras.

Publicado originalmente: A Nova Democracia, nº 51, março de 2009

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